Educação
Referência internacional em estudos é daqui
Centro de Pesquisas Epidemiológicas da UFPel teve uma trajetória crescente de atuação e reconhecimento, com trabalhos que mudaram políticas mundiais de saúde
Gabriel Huth -
Referência nacional e internacional nos estudos em saúde do ciclo da vida, o Centro de Pesquisas Epidemiológicas (CPE) Amílcar Gigante, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), surgiu com o primeiro grande estudo de Coorte de Nascimentos de Pelotas, em 1982. Uma trajetória de muito trabalho e reconhecimento marca a história do Centro e de suas pesquisas, que mudaram políticas mundiais de saúde pública e já avaliaram mais de cem mil pessoas.
O planejamento começou um ano antes, quando o médico pediatra Fernando Barros escreveu o projeto de doutorado que fazia em Londres. Detalhe: para estudar lá vendeu tudo o que tinha, inclusive uma raquete de tênis. Não imaginava que a semente plantada se transformaria em um centro de excelência internacional. Na época era professor na Universidade Católica de Pelotas (UCPel) e contou com o apoio de colegas, estudantes e residentes para fazer o trabalho, que incluía um questionário.
Com o primeiro financiamento de uma instituição do Canadá conseguiu comprar uma máquina de datilografia elétrica. Até então o Centro funcionava na casa de Barros. Com essa verba também foi possível contratar uma funcionária para ajudar no trabalho. Carmem Moreira está até hoje na equipe. No fim de 1982 o orientador inglês de Barros sugeriu, junto com o também médico César Victora, que estava morando na Inglaterra, o acompanhamento da Coorte de 1983.
"Eu e o Fernando já nos conhecíamos antes dele ir para a Inglaterra fazer o mestrado. Era o pediatra do meu filho", conta Victora. Encontraram-se em Londres e o doutorado de Victora era sobre a mortalidade infantil no Rio Grande do Sul. Em 1983 ele (Victora) retornou ao Brasil e ingressou no estudo da Coorte com Barros. Inicialmente do Canadá, depois da Inglaterra. Assim vieram os recursos. "Nosso trabalho começou a ser reconhecido dentro e fora do Brasil e conseguimos criar o centro", acrescenta Victora, que em outubro ganhou um prêmio no Canadá.
Uma sobra de verba viabilizou a visita a parte das crianças. Era o momento de se organizarem para ter um espaço físico. Alugaram uma sala na galeria Antunes Maciel. Fernando Barros trabalhava um turno no seu consultório e o outro no Centro de Pesquisas. Em seguida teve de contratar uma segunda pessoa. O grupo era Barros, Victora, Carmem e Cíntia. A sala ficou pequena e locaram outra. Depois uma terceira e uma quarta. Barros seguia ligado à UCPel e Victora à UFPel. No estudo de 83, conta Barros, realizaram as visitas e muitas crianças não foram encontradas no endereço indicado.
Como perceberam que não teriam sucesso, decidiram estudar as crianças nascidas nos primeiros quatro meses. Foi feito um planejamento para voltarem a vê-las em 1984. "Conseguimos um financiamento grande e mudamos a estratégia. Visitamos todas as casas de Pelotas pelo Censo. Sessenta mil casas", relata Barros. Contaram com cerca de 30 pessoas para auxiliar no trabalho, sendo 20 entrevistadores. "Nessa época começamos a chamar de Centro de Pesquisas. Antes era a minha pesquisa", completa.
Mudança para a Faculdade de Medicina
Em 1986 Barros saiu da UCPel e foi para a UFPel, onde Cesar Victora já atuava. O apoio institucional aumentou e os financiamentos também. O Centro mudou-se para o terceiro andar da Faculdade de Medicina da UFPel, no Fragata. Barros recorda que o estudo ficou tão grande, com muitos alunos trabalhando, que resolveram criar um mestrado em Epidemiologia e mais tarde o doutorado. Dez anos depois planejaram novo estudo de Coorte, mas o dinheiro atrasou e o trabalho foi feito em 1993. Em paralelo, outros estudos foram feitos, inclusive o que premiou Cesar Victora, sobre amamentação.
Os docentes da UFPel ligados ao CPE, Cesar Victora, Fernando Barros, Jorge Béria e Luiz Augusto Facchini, desenvolveram em 1991 o curso de mestrado em Epidemiologia, ligado ao Departamento de Medicina Social da UFPel, dando origem ao Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia. Em 2017 o PPGE se tornou o primeiro programa de pós-graduação a receber a nota máxima da Capes na área de Saúde Coletiva, o que se mantém até hoje. É coordenado por Bernardo Horta e Helen Gonçalves.
O Centro de Pesquisas começou com as coortes e depois ampliou para outras pesquisas em saúde da criança e da mulher. As curvas de crescimento se iniciaram nos anos 2000. Em 2007 o ex-reitor Cesar Borges destinou parte do prédio atualmente ocupado para o Centro. "Tínhamos uma verba grande para a construção, que foi feita do lado desse prédio (o atual)", conta Barros. Hoje, o Centro está em instalações supermodernas, com equipamentos de ponta e o ocupa todo o edifício.
As crianças foram crescendo e os estudos mudando. Existem publicações de acompanhamento de pessoas com mais de 30 anos, que são as da primeira Coorte. Também foi ampliado o interesse e hoje quatro populações são acompanhadas, perfazendo um total de 20 mil pessoas. Das coortes subsequentes participam os filhos dos nascidos em 82. Ou seja, o Centro tem os dados da saúde da mãe que nasceu em 82, que na época constavam em fichas perfuradas, pois não havia computador.
"É um dos estudos mais longos do mundo em termos de acompanhamento", acentua Victora.
"É perfeito, a gente tem acompanhamento, se sente seguro, pois se preocupam com a saúde e o crescimento infantil. E eu também posso acompanhar", comenta a técnica em Enfermagem Cláudia Bittencourt, 34, mãe da pequena Joanna, de seis meses, avaliada pelo Centro de Pesquisas.
Repercussão dos estudos
Muitas pesquisas tiveram grande repercussão, como aleitamento materno, curvas de crescimento infantil (usadas em 140 países) e curvas de crescimento do feto (adotadas também em vários países). O Centro assessorou o Ministério da Saúde (MS) com relação ao diagnóstico da epidemia de zica, com base na curva fetal. A novidade é que vai agora assessorar no programa Criança Feliz. O MS contratou o Centro para realizar o estudo em 4,2 mil crianças de seis estados onde têm mais cadastros de Bolsa Família. O planejamento está avançado, o trabalho começa em janeiro de 2018 e levará três anos, informa Cesar Victora.
O Centro também trabalha com a Pastoral da Criança na orientação de programas. Já o Centro de Equidade atende 82 países, a maioria na África, avaliando indicadores e recomendando internações. De todo o trabalho do Centro de Pesquisas Epidemiológicas, 80% da produção se refere às coortes. Nos anos 1980 a Unicef chamou os pesquisadores para avaliar a saúde do Nordeste do Brasil. Também já realizaram pesquisas em Minas Gerais e Espírito Santo. Trabalham com Ministério da Saúde, Unicef, Organização Mundial de Saúde (OMS).
Em 1986 Barros e Victora publicaram um livro sobre as coortes e as desigualdades entre pobres e ricos. Chama-se Epidemiologia da desigualdade. Foi publicado em espanhol pela Organização Pan-Americana de Saúde e este ano saiu a terceira edição. Um verdadeiro best-seller de obra científica. Vendeu dez mil unidades. Nele, os pesquisadores contam tudo em detalhes, em uma linguagem acessível.
Recurso no Consun
O Centro de Pesquisas Epidemiológicas deve entrar com recurso no Conselho Superior da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), que rejeitou a proposta de transformação da unidade em instituto. De acordo com o professor emérito e pesquisador Cesar Victora, o Centro não existe oficialmente na estrutura da UFPel. Seus docentes são vinculados a departamentos de quatro cursos (Medicina, Odontologia, Educação Física e Nutrição), cinco deles se aposentaram ano passado e mais dois saem em 2018. Com isso, fica ameaçado o futuro da unidade, pois as vagas abertas são ocupadas nos departamentos de origem dos profissionais.
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